29 de março de 2007

ACUPUNTURA

ACUPUNTURA
31 de maio de 2004

SENTENÇA n° 393/2004
Processo n° 2.001.34.00.032976-6
Autor: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM

PODER JUDICIÁRIO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

SENTENÇA: Nº 393 /2004 – B
CLASSE 1900: AÇÃO ORDINÁRIA / OUTRAS
PROCESSO Nº: 2.001.34.00.032976-6
AUTOR: CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA – CFM
ADVOGADO: GISELE CROSARA LETTIERI GRACINDO
REÚ: CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL – COFFITO

 

Vistas, etc

Trata-se ação de procedimento ordinário ajuizada pelo CONSELHO FERERAL DE MEDICINA –CFM contra o CONSELHO FEDERAL DE FISIOTERAPIA E TERAPIA OCUPACIONAL – COFFITO objetivando a decretação de nulidade da Resolução nº 219/2000, desse Conselho – que reconhece a acupuntura como especialidade profissional do fisioterapeuta – para impedir que o COFFITO habilite seus inscritos a exercer o ofício.

 

Sustenta que aludida norma fere os arts. 6º, 196 , 197 e 5º , XIII, todos da CF/ 88 , bem assim dispositivos das leis nº 3.268/57 e 6.316/ 75 e do DL 938 /69.

Assevera que o COFFITO não pode regulamentar o exercício da acupuntura porque essa pressupõe prática de ato médico já que envolve diagnóstico e tratamento, não se podendo admitir que profissionais de outras áreas realizem atos privativos daquela classe e lembra que a prática da acupuntura por profissional não habilitado pode acarretar danos para a sociedade.

Instrui a inicial com procuração e documentos.

Emenda à inicial a fls. 92/94, na qual pede antecipação de tutela que restou indeferida (fls.389/ 391 ).

O Réu apresenta defesa a fls. 53 /102.

 

De início, ressalta a impossibilidade de emendar a inicial após a citação e argúi ilegitimidade ativa e falta de interesse de agir, do Autor, porque sempre negou que acupuntura fosse especialidade médica (Resoluções n º 467/72 e 1295/89 e Processo de Consulta do CFM nº 0880/90 ), só vindo a fazê-lo em 1995, não tendo demonstrado, ainda, onde está sua legitimidade e qual o prejuízo causado pela Resolução n º 219, do COFFITO.

 

Impugna documentos juntados por cópia, sem autenticação e faz alusão à litigância de má fé.

 

No mérito defende a legalidade da Resolução n º 219 / COFFITO, invocando amparo do art. 5º CF e anota que não estando a acupuntura regulamentada em lei, pode ser exercida por profissional da área da saúde com habilitação específica.

 

Lembra que na formação do médico não constam conhecimentos teóricos e práticos da acupuntura ( Lei 3.268/57, art. 17 ) e acresce que por força do DL 938/69. arts. 3 º e 5º e da lei de Diretrizes e Bases da Educação, o Conselho Federal de Educação fixou as diretrizes dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, incluindo dentre as competências do fisioterapeuta a restauração da integridade de órgãos sistema funções desde a elaboração do diagnóstico cinético e funcional, eleição e e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes cada situação, bem como realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente.

 

Anota que a Resolução 60/85 dispõe sobre a prática da acupuntura pelo fisioterapeuta.

Cita precedentes jurisprudenciais. Colaciona documentos.

Rejeitada impugnação do valor da causa ( cópia a fls. 461/464 ).

Houve réplica a (fls. 468/48).

Razões finais do Autor ( fls. 511/517).

É o relatório. DECIDO.

 

Pretende o Autor a declaração de nulidade da resolução nº 219/2000 do Conselho Federal de Fisioterapia – COFFITO, que reconheceu a acupuntura como especialidade fisioterápica.

 

Descabida a irresignação do Réu sobre a intempestividade da emenda à inicial, porque o pedido de tutela antecipada, ao qual de limitava, acabou indeferido não se justificando, porque desnecessária, ampliação da discussão sobre o tema.

Acolho a preliminar de ilegitimidade ativa do Autor para compor o pólo ativo desta demanda.

 

O Autor se indispõe contra a resolução nº 219/2000 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO, que autoriza o fisioterapeuta, com habilitação, a praticar acupuntura. A causa da irresignação estaria no fato de a atividade pressupor a prática de ato médico que consiste na elaboração de diagnóstico clínico nosológico e realização de procedimentos invasivos e complexos, com inserção de agulhas em diversos pontos do corpo. Daí exigir conhecimentos específicos e aprofundados, sob pena de causar graves lesões ou até morte do paciente sendo imperativo que sua prática fique restrita aos médicos porque na hipótese contrária, fica em risco a saúde da população.

 

A respeito, é curioso notar que desde 1972, primeiro com a resolução nº467, desse ano, e depois com a resolução nº 1295/89, o CFM vinha entendendo que a acupuntura não era considerada especialidade médica. Tal entendimento foi corroborado no processo de consulta do CFM nº 0880/90 no qual ficou assentado que "…não sendo a acupuntura elencada entre as especialidades médicas reconhecidas pelo CFM na resolução 1295/89 e mais, sendo declaradamente negada como tal pela Resolução 467/72, não poderia este Conselho proporcionar-se favorável à pretensão aqui manifesta…". Só mais tarde, com a Resolução 1445/95, é que voltou atrás e incluiu a acupuntura como especialidade médica.

 

Daí cabível a seguinte indagação: sendo a acupuntura uma técnica milenar que consiste, desde tempos imemoriais, na inserção de agulhas em determinados pontos no corpo do humano, ela não mudou nos últimos 30 (trinta) anos. Então se em 1972 não era considerada especialidade médica, certamente não se cogitava que seu exercício pressupunha prática de ato médico. Então por que só agora essa questão é suscitada? Esse raciocínio leva a que outras seriam as razões, possivelmente de ordem econômica, que estariam movendo o CFM a pleitear a nulidade da Resolução 219/2000 do COFFITO.

 

Como não se referiu a esse fato na inicial, depreende-se que a causa de pedir reside na defesa da saúde pública. No entanto, por mais nobre que seja esse intuito, falece ao Autor legitimidade para defender em nome próprio direito alheio por força da expressa vedação do art. 6º do Código de Processo Civil.

 

De qualquer sorte, sem regulamentação da profissão de acupuntor, perde relevância a discussão sobre se envolve ou não a prática de ato médico e de quem seja o profissional habilitado a exercê-la. Isto porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).

 

Oportuno lembrar que ainda que a acupuntura consistisse na prática de ato médico, isso por si só não bastaria para habilitar todo médico ao seu exercício porque da formação desse profissional não constam conhecimentos específicos na área. No entanto, ocorre o contrário com o fisioterapeuta uma vez as diretrizes curriculares dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, fixadas pelo Conselho Federal de Educação, incluem dentre as suas competências a restauração da integridade de órgãos sistema e funções desde a elaboração do diagnóstico cinético e funcional, eleição e execução dos procedimentos fisioterapêuticos pertinentes a cada situação, bem como realizar consultas, avaliações e reavaliações do paciente.

 

É livre o exercício de qualquer profissão (CF, art. 5º Inciso XIII). No entanto, para que todo e qualquer profissional exerça regularmente seu ofício é indispensável que o faça na forma da lei. No que tange à área da saúde, a Constituição, por força do seu art. 197, atribuiu ao Poder Público a responsabilidade pela regulamentação, fiscalização e controle desses serviços, devendo fazê-lo mediante edição de lei federal, de competência privativa da União (CF, art. 22, inciso XVI).

 

Embora se saiba que existe projeto de lei nesse sentido, ele ainda não foi aprovado. Sendo assim, não existe lei regulando a profissão de acupuntor o que impede o COFFITO, ou qualquer outro Conselho da área de saúde, de se apressar para declarar, ainda que por meio de Resolução, que o exercício dessa ou daquela especialidade dos profissionais a ele vinculados.

 

Nesse sentido, a orientação da jurisprudência, conforme se observa dos seguintes arestos.

 

ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADE NÃO REGULAMENTADA. ACUPUNTURA. RESOLUÇÃO N. 2/1995 DO CONSELHO FEDERAL DE BIOMEDICINA. RESOLUÇÃO N. 1.455/1995 DO CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA.

 

1 – Inexistindo lei específica regulando a atividade de acupuntor, o seu exercício não pode ser limitado por Resolução do Conselho Federal de Medicina, sob pena de ofensa ao inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal.

 

2 – Resolução do Conselho Federal de Medicina não é o instrumento normativo apropriado ao reconhecimento da acupuntura como atividade privativa do médico, por falta de previsão legal.

 

3- Sentença confirmada.

 

4- Apelação desprovida. (1)

 

SUSPENSÃO DE SEGURANÇA, AGRAVO REGIMENTAL CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. ACUPUNTURA.

1- A atividade de acupuntor não está regulada por lei específica não podendo sofrer limitações do seu exercício, sob pena de ferir-se o inciso XIII do artigo 5º da Constituição.

 

2- Possibilidade de grave lesão à ordem econômica, ante a possibilidade de milhares de profissionais ficarem impedidos de exercer a função de acupuntor. (2)

 

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, ACUPUNTURA, INSCRIÇÃO E EXER-CÍCIO DE PROFISSÃO NÃO REGULAMENTADA, AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

O art. 5º, XIII, da Constituição Federal, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Mas não há lei regulamentando o exercício da profissão de acupuntor. E sendo da União a competência privativa para legislar sobre as condições para o exercício de profissões (CF, art. 22, XVI), não poderia o Estado Membro legislar sobre ela. Não há, pois, como inquinar de ilegal a recusa de fornecimento de registro aos representados pelo sindicato impetrante, não havendo que se falar em direito líquido e certo.

Recurso conhecido, mas improvido. (3)

 

Como se pode ver, não obstante não ter o Réu amparo legal para baixar resolução habilitando seus inscritos a trabalhar como acupuntor, o Autor não tem legitimidade ativa para pleitear em juízo a nulidade do ato normativo que reconheceu aos fisioterapeutas aludida habilitação.

 

Também não se poderia pretender que o Autor estaria representando os interesses da classe médica, reservando-lhe parcela do mercado profissional, porque essa não foi a causa de pedir na ação, e nem poderia ser na medida em que esse desiderato não consta de suas atribuições, restritas a zelar pelo correto exercício da atividade médica.

A propósito, o art. 1º ESTATUTO PARA OS CONSELHOS DE MEDICINA, assim dispõe:

 

Art, 1º O Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de Medicina são órgãos superiores, normatizadores, disciplinadores, fiscalizadores e julgadores da atividade profissional médica em todo o território nacional.

 

Parágrafo único – Cabe aos Conselhos de Medicina zelar, por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da Medicina, por adequadas condições de trabalho, pela valorização do profissional médico e pelo bom conceito da profissão e dos que o exercem legalmente e de acordo com os preceitos do Código dE Ética Médica vigente.

Da mesma forma, também nada consta a respeito, no art. 30 do Estatuto que cuida, especificamente, das atribuições do Conselho Federal de Medicina.

Por outro lado, mesmo que o Autor fosse parte legítima para propor a demanda, ainda assim seria carecedor de ação por falta de interesse processual que se configura " … quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode lhe trazer alguma utilidade do ponto de vista prático. Movendo a ação errada ou utilizando-se do procedimento incorreto, o provimento jurisdicional não será útil, razão pela qual a inadequação procedimental acarreta a inexistência de interesse processual". (4)

No caso em exame, a irresignação do CRM se volta contra a edição de Resolução por outro Conselho de classe, disciplinado a prática da acupuntura, especialidade cuja exclusividade quer resguardar aos profissionais médicos. Cumpre anotar que aludida Resolução não impede os médicos de continuar praticando acupuntura e nem discute a competência deles para tanto, como se pode constatar do disposto no seu art. 1º que estabelece:

 

Art. 1º Sem caráter de exclusividade corporativa, reconhecer a Acupuntura como especialidade do profissional Fisioterapeuta, desde que tenha cumprido a exigências contidas nas Resoluções COFFITO de nº 60/85, 97/88, 201/89. Pelo exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, sem exame do mérito, com base no art. 267, VI, do Código de Processo Civil (ilegitimidade ativa). Condeno o Autor, a pagar custas e honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se

 

Brasília, 31 de maio de 2004.

 

ADVERCI RATES MENDES DE ABREU
Juiza Federal Substituta da 5ª Vara
/DF