17 de julho de 2007

13ª CNS: entrevista do presidente do CNS à revista Ret-SUS

A RET-SUS é uma rede governamental criada pelo Ministério da Saúde para facilitar a articulação entre as 36 Escolas Técnicas do SUS e fortalecer a Educação Profissional em Saúde. É uma estratégia de troca de informações e experiências, compartilhamento de saberes e mobilização de recursos.

Leia a entrevista Francisco Batista Júnior à revista RET-SUS

1- Por que fazer uma homenagem à 8ª Conferência Nacional de Saúde na 13ª Conferência? O que vocês querem resgatar?

A 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) é um marco porque foi a grande referência no capítulo da saúde na Constituição Federal de 1988, que garante o Sistema Único de Saúde (SUS). Entendemos que entre 1988 e 2007 houve o processo de implantação do SUS, mas também tivemos grandes dificuldades. O SUS é um sobrevivente. Se, por um lado, o SUS é a maior conquista da população brasileira, quando lembramos a 8ª CNS temos a convicção de que há muito ainda a ser feito. Nós não conseguimos, por exemplo, avançar na proposta do modelo de atenção primária. Infelizmente, continuamos esperando que as pessoas fiquem doentes para depois tratá-las. E não foi isso que aprovamos na 8ª Conferência. Saúde é promoção e prevenção. E por que nós não conseguimos isso? Porque, no nosso país, temos uma cultura de exploração da doença da população. E exploração por grupos políticos, por grupos privados que têm muito poder. No Congresso Nacional, existe uma bancada que vive dizendo que defende o SUS, que é do ‘partido SUS’, mas na verdade está ali somente para defender mais dinheiro para medicamentos, leitos hospitalares privados, exames de alta complexidade, transplantes e hemodiálise realizados no setor privado. É tudo um grande negócio. Primeiro, temos que desprivatizar. Em vez de fazer transplante na rede privada, temos que fazer na rede pública. Em vez de ter 95% das hemodiálises concentradas no setor privado, elas devem ser realizadas nos hospitais públicos. Isso é mais econômico inclusive. E, além de dar conta dessas demandas, precisamos trabalhar na perspectiva de prevenir para que as pessoas não cheguem a precisar de hemodiálise e transplante. Como prevenir? Fazendo a atenção primária. É muito mais humano, saudável e econômico fazer a prevenção e o acompanhamento dos pacientes do que esperar que eles precisem de tratamento complexo, muito mais caro, que não interessa ao governo nem ao povo bancar. Tudo isso foi debatido na 8ª CNS e ficou um pouco perdido nesse período porque o discurso que prevaleceu foi exatamente outro, ou seja, o da continuidade de um modelo hospitalocêntrico. Por isso, estamos tentando deflagrar um grande movimento com a 13ª CNS para resgatar esse grande debate da 8ª CNS. Nossa homenagem maior à 8ª Conferência será resgatar todos esses princípios que nós aprovamos naquela época e que foram um pouco perdidos, foram derrotados durante esse período de década neoliberal, que apontou para o Estado mínimo, a privatização e a precarização.

2- Por que o tema da 13ª CNS é ‘Saúde e qualidade de vida: política de Estado e desenvolvimento’?

Nós entendemos que saúde não é somente uma tarefa da área específica da saúde. Um bom emprego, por exemplo, pode ser um determinante de saúde. A pessoa desempregada é um potencial doente. Uma boa condição de educação também tem relação com a saúde. Crescimento sustentável da economia, distribuição de renda, tudo isso tem impacto na saúde, assim como a qualidade do trânsito. Então, quando falamos de desenvolvimento, saúde e qualidade de vida, estamos reafirmando que saúde deve mesmo ser uma obrigação do Estado. Ninguém deve ter dúvidas disso. Porque alguns setores continuam dizendo que a saúde pode ser transferida para o terceiro setor, que pode ser privatizada. Nós temos posição diferente. Saúde é obrigação do Estado. Mas é preciso entender também que não dá para setores que têm relação direta com a saúde ficarem no desconhecimento ou não assumirem o papel de co-responsáveis. Porque se os atores ligados diretamente à saúde cumprirem a sua parte e outros que têm intersetorialidade com a saúde não atuarem, vamos ter uma demanda cada vez mais crescente e não teremos como dar conta. Não podemos resolver as demandas de educação, emprego, infra-estrutura, trânsito. Para nós, a saúde tem essa característica de intersetorialidade e é preciso ser vista sob esse aspecto.

3- A idéia de Seguridade Social foi forte no movimento da Reforma Sanitária e hoje aparece resgatada no tema da 13ª Conferência. Por quê?

Porque nós não conseguimos avançar nessa perspectiva. Pelo contrário, regredimos. Durante a década de 1990, não avançamos nem no conceito nem na prática da seguridade social. Por exemplo: na Constituição Federal está estabelecido que 30% do orçamento da seguridade social deve ser destinado para a saúde. Isso nunca aconteceu. Houve um processo de esfacelamento do conceito de seguridade social a ponto de seu orçamento ser totalmente transfigurado. Ele foi usado inclusive como rubrica do pagamento dos juros da dívida. A década de 90 foi muito dura para o SUS e para as políticas sociais como um todo. A política adotada pelo governo federal foi um desastre. Fomos derrotados na defesa da seguridade social e achamos que este é o momento de retomar e, mais uma vez, fazer referência à 8ª CNS. Além de rediscutir o sistema em relação ao modelo de atenção, em relação à força de trabalho, ao papel do Estado, à intersetorialidade do SUS com as outras áreas de governo, também temos que resgatar a questão da seguridade social. Não só resgatar, mas começar a fazer movimentos que possibilitem, a curto e médio prazo, a implementação da seguridade social através de políticas bem definidas como a criação do Conselho Nacional de Seguridade Social e, quem sabe, até de um Ministério da Seguridade Social. Temos esse sonho, essa ambição. Temos a absoluta convicção de que o governo que o país tem hoje é um governo de coalizão, que contempla as mais variadas diferenças e complexas forças políticas, os mais variados e complexos interesses. Agora, temos um governo diferente, que apesar de ter esse viés, abriga alguns setores que se permitem não somente debater tudo isso que nós estamos trazendo agora, mas que defendem isso, diferentemente do governo passado. No governo passado não havia a menor possibilidade de discutir temas como esse. Era a lógica do Estado mínimo. Entendemos que não é pelo fato de o liberalismo liderar a cena econômica e política no mundo hoje que os países devam optar por esse modelo. Ao contrário. As pessoas que têm compromisso com o social, com a democracia e com a igualdade devem resistir a essa lógica. Nesse governo há espaço para isso. Apesar da sua composição bastante heterodoxa, complexa e divergente, existem setores que pensam como nós.

4- A 12ª CNS teve dez eixos temáticos. A 13ª terá apenas três. Por que vocês optaram por reduzir o número de temas para discussão?

Com um número muito grande de eixos temáticos, nós acabávamos pulverizando muito os debates. E um debate sobre saúde não pode ser pulverizado nem corporativo. Deve defender um interesse mais global. Em segundo lugar, a definição de vários eixos temáticos nos obrigava a realizar plenárias temáticas com os delegados, tendo que optar por debater apenas um eixo temático. Muita gente saía da Conferência reclamando que só tinha conseguido debater um eixo temático de dez. Pensamos em reduzir os eixos, então, para tornar o debate o mais abrangente possível. Este ano, nós vamos ter durante três dias uma plenária para cada eixo temático, com a participação de todos os delegados, que poderão contribuir e intervir nos três eixos. Isso para nós é muito importante porque amplia a participação.

5- Quem quiser discutir temas relacionados à Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde deve se inserie em qual eixo?

Pode ser inserido em pelo menos dois eixos: o 1 e o 2. Quando nós discutimos, por exemplo, ´Desafios para a efetivação do direito humano à saúde no século XXI: Estado, sociedade e padrões de desenvolvimento’, na questão do Estado e da sociedade nós podemos inserir tranqüilamente a gestão do trabalho, assim como no eixo 2, ´Políticas públicas para a saúde e qualidade de vida: o SUS na seguridade social’. Não explicitamos de forma clara a questão da gestão do trabalho para não parecer um tema corporativo. É muito comum os debates em conferências terem uma certa disputa em determinado setor. Nós tivemos a preocupação de ser o mais abrangente possível para não dar a impressão de beneficiar esse ou aquele segmento. Nossa orientação é para que as questões da gestão do trabalho, da formação, da avaliação e, principalmente, o debate das diretrizes nacionais do plano de cargos, carreiras e salários do SUS sejam discutidas em 100% das conferências municipais e estaduais. É um tema que interessa a todos. Não existe um município deste país onde o tema gestão do trabalho não seja fundamental. 

6- Como as Escolas Técnicas do SUS podem contribuir nos debates da 13ª CNS?

Se nós queremos fazer uma Conferência Nacional de Saúde diferente, que vá além do que conseguimos até agora, a participação de alguns atores que não têm conseguido participar dos últimos eventos é absolutamente fundamental. As Escolas Técnicas do SUS são um exemplo típico disso. Eu tenho enfatizado a necessidade de participação tanto na mobilização quanto na contribuição direta desses atores no debate. Primeiro porque são atores privilegiados. As ETSUS, por exemplo, têm papel fundamental na formação e construção do debate político. Esses atores que constroem o SUS necessitam ficar mais próximos dos conselhos de saúde, ter uma participação mais ativa e direta, seja como membros efetivos do conselho ou como colaboradores na organização de eventos.

7- As ETSUS podem participar da 13ª CNS como delegadas? Ainda há tempo para isso?

Claro que sim. Os municípios vão realizar conferências e cada um deles tem um formato diferente. Os municípios de médio e grande porte podem realizar também conferências distritais. É assim que se constrói. Para garantirmos uma Conferência Nacional participativa, é preciso que cada município faça conferências distritais. Em cada conferência distrital, são eleitos delegados que vão para a conferência municipal. As ETSUS têm como primeira alternativa participar das conferências distritais, que são abertas à participação popular. E podem participar de acordo com a relação mais próxima que tiverem. Se tiverem uma relação com uma entidade sindical, podem participar como representante de uma entidade sindical. Se a relação mais próxima for com uma entidade civil de movimento social podem participar como representante dela. Podem ainda representar a própria Escola Técnica do SUS. Essa é a forma mais direta de participação dos setores organizados de uma sociedade nas conferências municipais. Com certeza, as ETSUS têm relação com entidades do movimento social. Via entidades do movimento social que têm assento no conselho de saúde ou participação no debate do controle social, a Escola pode ter participação na Conferência. Ainda dá tempo de as ETSUS participarem. Não há a menor dúvida disso. As conferências municipais estão sendo marcadas neste momento. O prazo para agendar as conferências vai até o dia 5 de agosto. A nossa experiência nos mostra que o grande número de conferências se concentra no último mês. No mês de maio, por exemplo, poucas conferências foram marcadas. O grosso das conferências municipais vai acontecer em junho e julho. Na medida em que formos recebendo a comunicação de realização de conferências, nós disponibilizaremos no site do Conselho Nacional de Saúde e as ETSUS podem acompanhar pela Internet. Para saber o calendário, as Escolas também podem entrar em contato diretamente com os conselhos estaduais e, a partir disso, inserir-se na realização de cada conferência municipal.

8- Na 13ª CNS haverá alguma mudança de representação de delegados?

Não. Teremos cerca de 3 mil delegados, que têm direito a voz e voto. Cerca de 10% dos delegados são eleitos por entidades nacionais, ou seja, por instituições como, por exemplo, o Conass, o Conasems, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Seguridade Social, as universidades e a Abrasco. Essas entidades têm assento no Conselho Nacional de Saúde e, por isso, podem eleger delegados para a Conferência. Acho que esse é outro espaço no qual as Escolas podem tentar se inserir. 

9 – Como você avalia a 12ª Conferência? O que foi e o que não foi implementado durante esses quatro anos?

A 12ª CNS teve uma importância muito grande no aspecto da participação. Mas precisamos admitir que tivemos problemas durante sua realização. Problemas na plenária final e no relatório, o que repercutiu nas ações. Além disso, o primeiro governo Lula passou por profundas transformações que, no meu entendimento, acabaram se sobrepondo ao que nós conseguimos aprovar na 12ª CNS. Claro que alguns aspectos importantes foram considerados como, por exemplo, a questão da gestão do trabalho, que passou a ser vista pelo governo federal – acho que pelos governos estaduais e municipais também – de uma forma mais responsável. Também houve a aprovação do plano de cargos, carreiras e salários em vários estados e municípios. Isso está sintonizado com o que nós aprovamos na 12ª CNS e foi uma mudança radical em relação ao que vinha acontecendo até então. Na 12ª Conferência também apontamos para a necessidade de uma nova forma de fazer saúde e o Pacto pelo SUS é produto dessa discussão. Hoje, governo federal, estados e municípios têm uma outra forma fazer o Sistema Único de Saúde. O Pacto estabelece, por exemplo, uma nova forma de financiamento: antes, municípios e estados recebiam mensalmente um determinado valor e, a partir daquele momento, era cada um por si. O governo federal não acompanhava absolutamente nada, os estados e municípios não cumpriam o que era aprovado. Havia uma fragilidade em relação ao financiamento e as relações de saúde. Com o Pacto, os municípios e estados vão assumir determinadas responsabilidades junto ao governo federal e vão receber um financiamento para cumprir essas responsabilidades. E isso vai ser acompanhado, fiscalizado.
 
10 –   Você é o primeiro presidente eleito do Conselho Nacional de Saúde. Antes, o CNS era presidido pelo ministro da saúde. O que isso muda?

Esse é um processo em construção que tem interpretações para todos os gostos. Quando enfrentamos dificuldades, alguns setores acham que isso acontece porque o presidente do Conselho não é mais o ministro da saúde. Nós sabemos que não é assim. O controle social, os conselhos de saúde e a participação social no SUS são processos de construção e as dificuldades vão acontecer independentemente de o presidente do CNS ser ministro ou não. O fato de se eleger o presidente não é a solução de todos os problemas. É um passo muito importante para que a plena autonomia do Conselho aconteça e para que a cultura conservadora que ainda permeia as relações do Conselho com a gestão possa ser superada também. Mas, com certeza, o fato de o presidente ser eleito tem um impacto muito importante no que diz respeito à autonomia política, a uma abertura maior junto aos conselhos estaduais e ao controle social como um todo. Muitas pessoas têm entrado em contato conosco para apresentar propostas e ficam felizes de falar diretamente com o presidente do Conselho. Antes, essa possibilidade praticamente não existia. O presidente do conselho municipal hoje entra em contato com o presidente do conselho nacional para dialogar sobre uma situação específica do seu município. E isso tem tido uma repercussão muito importante. Alguns estados, como Alagoas e Ceará, que há pouco tempo tinham como presidente o secretário de estado, já mudaram a lei e elegeram um novo presidente. Os conselhos municipais estão indo pelo mesmo caminho.

Fonte: CNS