18 de maio de 2017

Pelo risco de retrocesso na atenção à Saúde Mental, Sistema COFFITO/CREFITOs reúne entidades e movimentos sociais em Audiência Pública

Com o tema “Reforma Psiquiátrica: nenhuma conquista a menos!”, participantes rejeitaram proposta do CFM e da ABP que resgata cuidado centrado na internação

No dia 15 de maio, em São Paulo, representantes de movimentos sociais e profissionais atuantes na área da saúde mental participaram de reunião na Câmara Municipal de São Paulo para expor suas preocupações em relação aos riscos de retrocesso nas políticas públicas de saúde mental. Na oportunidade, o Sistema COFFITO/CREFITOs foi representado pela vice-presidente do COFFITO, Dra. Patrícia Luciane Santos de Lima; pelo vice-presidente do CREFITO-3, Dr. Adriano Conrado Rodrigues; e pelo presidente do CREFITO-3, Dr. José Renato de Oliveira Leite.

Com o tema “Reforma Psiquiátrica: nenhuma conquista a menos!”, a Audiência Pública convocada pelo CREFITO-3 trouxe ao debate uma série de questionamentos sobre um documento assinado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que identifica questões problemáticas na assistência à saúde mental no Brasil, ao mesmo tempo em que oferece soluções para essas questões, dentre elas a implantação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais.

Com a divulgação desse documento – enviado ao Ministro da Saúde, ao Ministro do Desenvolvimento, e às principais autoridades de saúde do país –, foi identificada a necessidade de urgência na organização e posicionamento dos grupos envolvidos na Luta Antimanicomial para a manutenção das conquistas trazidas desde a promulgação da Lei Federal nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica). “O tratamento em saúde mental não pode consistir apenas no tratamento da sintomatologia dos usuários, e, sim, lhes oferecer chances de reconstruir suas vidas e seus lugares na sociedade”, destacou a Dra. Patrícia Luciane Santos de Lima.

A cronificação da doença mental

A mesa diretora da Audiência, presidida inicialmente pelo Vereador Mário Covas Neto e, em seguida, pelo vice-presidente do CREFITO-3, Dr. Adriano Conrado Rodrigues, contou com a presença de Elizabeth Henna, militante na saúde mental há mais de uma década, representado o Movimento Nacional da Luta Antimanicomial. Ela destacou que, desde o início da substituição do modelo hospitalocêntrico e medicalizante da assistência à saúde mental, muitos avanços foram obtidos, com muitos pacientes deixando as instituições asilares. Por essa razão, ela entende que o documento do CFM e da ABP estimula um retrocesso no que se refere ao já alcançado. “Pacientes que tiveram uma experiência inicial nos manicômios evoluem de maneira menos positiva do que pacientes que já iniciaram a atenção à saúde nos CAPs [Centros de Atenção Psicossocial]. Tornaram-se crônicos. Não podemos permitir a criação de uma nova geração de cronificados, com o retrocesso à atenção centrada no hospital e na figura do médico”, alerta.

As instituições de ensino superior também foram convidadas a participar da Audiência. A Dra Juliana Araújo, docente do curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina do ABC, destacou a importância do papel da academia no desenvolvimento de uma consciência crítica de seus futuros formandos. Ponderou, também, sobre a Lei da Reforma Psiquiátrica, que, mesmo tendo implantado um modelo reconhecido internacionalmente, sofre constantes ataques. “As instituições de ensino têm o potencial de construir práticas de atenção que respeitem a singularidade de cada ser, ajudando o aluno a lutar para encerrar modelos excludentes e hierárquicos do cuidar”.

De retrocessos velados ao desmonte explícito

“No momento político, social e econômico atual, em que o SUS está sendo colocado em xeque, a saúde mental acaba sendo colocada no mesmo barco”, definiu a Dra. Jamile Albiero, da Câmara Técnica de Saúde Mental do CREFITO-3.

Com experiência em gestão de um serviço de saúde mental no interior paulista durante três anos, onde uma série de conquistas foi obtida, ela relata observar, hoje, um verdadeiro desmonte do que foi construído. A Dra. Jamile Albiere destacou que existem movimentações no cenário da saúde mental propondo, de forma velada, um retorno ao modelo anterior, centrado em internações. “Vemos CAPs funcionando como “minimanicômios”, institucionalizando seus usuários. Perdendo a característica temporária desse serviço. A rede de atenção cresceu em número desde 2001, mas, em relação à qualidade, muita coisa precisa ser revista”.

Para a vice-presidente do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), Dra. Patrícia Luciane Santos de Lima, a relação da sociedade com a loucura é de exclusão e, ao conhecer o teor do documento assinado pelo CFM e pela ABP, reuniu-se com a Dra. Maria de Lourdes Feriotti, terapeuta ocupacional e membro do Conselho Nacional de Saúde (CNS), para expressar a preocupação dos terapeutas ocupacionais em relação aos riscos de tornar ainda mais aguda a questão da exclusão das pessoas em sofrimento mental, caso esse documento encontre eco junto às autoridades de saúde. “A Terapia Ocupacional, por ter como ferramenta principal a atividade, tem como fim romper o isolamento das pessoas internadas; criar acolhimentos; produzir possibilidades de escuta, de novos vínculos; ressignificar a história; compreender afetos, produções; e promover o resgate dos direitos da cidadania, auxiliando no processo de reinserção destes indivíduos na sociedade”, completou.

Resultado

A fim de se contrapor às ações do CFM, o COFFITO, por meio de sua vice-presidente, entrou em contato com a Federação Nacional dos Trabalhadores da Assistência Social (FENTAS); com a Dra. Priscila Viegas, que auxiliou na interlocução junto à representante do Conselho Nacional de Saúde (CNS); e com a Dra. Maria de Lourdes Feriotti, para a elaboração de uma Carta de Recomendação e uma Nota de Repúdio do CNS em relação à abordagem apresentada no documento do CFM/ABP, inclusive recomendando ao Ministério da Saúde a revogação de uma Portaria Ministerial de 2016, que inclui as comunidades terapêuticas no rol do Cadastro Nacional dos Equipamentos de Saúde (CNES). “As comunidades terapêuticas não atendem a nenhum dos critérios exigidos pela legislação vigente para se configurar como equipamento de saúde. Manter as comunidades terapêuticas incluídas no CNES é estar sob o risco de incorrer em ilegalidade”, alertou a Dra. Maria de Lourdes Feriotti.

Buscando dar visibilidade às associações, o COFFITO auxiliou a Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO) para a representação da Dra. Maria de Lourdes Feriotti na Audiência Pública. Na ocasião, em sua fala, a Dra. Maria de Lourdes expôs que está ocorrendo uma tentativa explícita de desmonte nas conquistas do Movimento da Luta Antimanicomial. Ela define que o pano de fundo dessa movimentação é um embate entre a saúde pública e a saúde privada. “Existem disputas politicamente robustas, de embate contra a efetivação do SUS, desde os anos 1980. Existem questões técnicas, ideológicas e políticas. Mas, sobretudo, existe a questão econômica. A Reforma Psiquiátrica afrontou, desde o início, o lobby dos hospitais psiquiátricos, que ainda é um negócio muito lucrativo”.

Críticas ao CFM e à ABP: “Erro na forma e no mérito”

Para o presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), Dr. Aristeu Bertelli da Silva, as conquistas da Lei da Reforma Psiquiátrica, que pareciam estar seguindo um caminho para a solidificação, se mostram cada vez mais frágeis, propensas ao desmonte. “Avançamos, mas, num estalar de dedos, esses avanços começam a sumir”.
Ele classifica que o documento produzido pelo CFM e pela ABP erra, tanto na forma como no mérito. “Erram, porque se arrogam por ser sede e o fórum; luz e a guia, para definir o que é certo e errado na saúde mental”. Ele defende que, se ajustes nas propostas são necessários, que eles sejam construídos como fruto de um consenso entre todos os envolvidos na questão, “mas não num consenso que se constrói de cima para baixo, mas um consenso que exige a horizontalidade”.

Momento difícil

O Dr. José Renato de Oliveira Leite, presidente do CREFITO-3, declarou que o Conselho não poderia ficar sem agir diante da situação de risco para os avanços conquistados na atenção à saúde mental. “Não podemos regredir e esquecer as conquistas”.

O presidente do CREFITO-3 destaca que promover a desinstitucionalização ainda é quebrar paradigmas do cuidado com a saúde mental. “A violação de direitos humanos da pessoa em sofrimento mental, ainda justificada por muitos, vai na contramão do que a abordagem multiprofissional apregoa, que é a inclusão social”.

De acordo com essa proposta de inclusão, o Dr. José Renato defende que a responsabilidade passa a ser de toda a sociedade, e não apenas de uma categoria profissional. “É inconcebível que apenas uma classe seja reconhecida como competente para tal”, concluiu.