5 de fevereiro de 2008

Fiocruz vai se instalar em Moçambique, afirma responsável pela África no Itamaraty

Na segunda parte da entrevista sobre os conflitos pós-eleitorais no Quênia, o chefe do Departamento da África do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas, comentou a corrupção no continente africano, as políticas de saúde, a crise humanitária no Sudão e a relação do Brasil com os países de língua portuguesa. Ele contou que está em fase final de tramitação a abertura de um escritório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Maputo, capital de Moçambique.

Agência Brasil: Na África, a gente sabe que existem alguns governos autoritários e corruptos. Como o Brasil tem se posicionado no relacionamento com esses governos?
Fernando Simas: Em primeiro lugar, você mesma lembrou que nós também saímos de um processo autoritário, portanto, conhecemos um pouco o que é viver um processo autoritário e o que implica sair de um processo autoritário. A nossa relação com países onde há governo de corte mais autoritário e centralizador certamente não é a de pretender dar lições. Nós, mais do que ninguém, entendemos que democracia é processo, democracia é construção, democracia é negociação política dentro de cada um desses países. Então, o que nós podemos e fazemos é mostrar como a sociedade brasileira, havendo saído de um processo autoritário, pôde resolver as suas divergências e construir um modelo de convivência política e de progresso, de desenvolvimento econômico, baseado na liberdade de expressão, no pluralismo político e na alternância do poder. A relação do Brasil com esses países não estabelece condicionalidade. O que nós buscamos é que se valorize a importância de uma convergência em torno de valores que são universais e que nós pregamos e praticamos.

ABr: Como está se desenvolvendo o intercâmbio de políticas de saúde e de segurança alimentar?
Simas: Está muito bem e também se ampliando. Eu vou dar um exemplo concreto. Está em fase final de tramitação a abertura de um escritório da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] em Maputo, Moçambique. Isso na seqüência da abertura de um escritório da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] em Gana. Esses dois braços são muito importantes para a atuação do Brasil de forma geral no contexto africano. No caso de Maputo, por exemplo, além de a Fiocruz participar do desenvolvimento da Escola Nacional de Saúde de Moçambique, através inclusive de um mestrado em saúde pública, a Fiocruz e a Fiotec [Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde], conjuntamente, estão levando à frente um projeto de construção de uma fábrica de anti-retrovirais [medicamentos que combatem o vírus HIV] na cidade de Maputo, o que representa simbólica e efetivamente uma importante virada em termos de políticas de combate ao vírus HIV no contexto desse país e com uma irradiação para os demais países também. Da mesma forma, o [laboratório] Farmanguinhos tem um projeto também de uma fábrica de anti-retrovirais e de outros medicamentos na Nigéria. O escritório da Embrapa vem mapeando e levando à frente importantes projetos de cooperação, de tecnologia agrícola e de segurança alimentar, em alguns casos, desenvolvimento de sementes, adequação de culturas aos micro-sistemas ambientais de cada um desses países, em alguns deles com grande semelhanças ao nosso. Há toda uma faixa africana que tem um micro-clima muito parecido com o cerrado, por exemplo.

ABr: Outra questão é o Sudão. Por que o Brasil não deve participar da missão de paz em Darfur? Fomos informados de que o Brasil tem observadores no país, mas não na área do conflito em si (sul do país).
Simas: Acaba de entrar em operação a missão híbrida das Nações Unidas e da União Africana, e o pedido feito ao Brasil era de meios materiais, que infelizmente não pudemos atender. Por outro lado, o Brasil é um tradicional contribuinte das missões de paz das Nações Unidas. Nossa visão não é específica para o conflito em si nem a natureza dele, ela é apenas uma resposta de possibilidades de atendimento à solicitação recebida. Nós temos observadores em alguns casos. Temos observadores, por exemplo, na missão entre Etiópia e Eritréia e em Guiné-Bissau. Lideramos a missão de paz no Haiti e somos um contribuinte tradicional das missões de paz das Nações Unidas. A questão da resposta na Unamid [força de paz em Darfur] não tem nenhuma seletividade de nossa parte, apenas responde um problema de cunho técnico.

ABr: E as relações com os países de língua portuguesa, têm avançado?
Simas: Têm avançado e bem. Na recente reunião do Conselho Ministerial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que se realizou em Lisboa, no início de novembro, nós demos alguns passos importantes à frente, sobretudo através do reforço do ensino da língua portuguesa em Timor Leste e do reforço do Instituto da Língua Portuguesa, sediado em Cabo Verde. Além disso, temos um volume importante de recursos colocados pelo Brasil à disposição dos projetos de cooperação técnica da CPLP. Apenas no final de 2007, transferimos para o Fundo Especial da CPLP recursos da ordem de US$ 1 milhão, para continuar implementando os diferentes projetos da Comunidade.

Leia a primeira parte da entrevista.

 

Agência Brasil